S&A – Severien Andrade Advogados

Quem somos

EN

Inversão do ônus da prova no processo fiscal

Andréa Medrado Darzé – Valor Econômico
22/11/2010
No ano passado, valendo-se da sistemática dos recursos repetitivos, foi julgado o Resp 1.104.900, reconhecendo a inversão do ônus da prova da responsabilidade tributária nas hipóteses em que o nome do responsável já consta, desde o início, no título executivo. A decisão fundamentou-se no artigo 204 do Código Tributário Nacional (CTN), segundo o qual a Certidão de Dívida Ativa (CDA) goza de presunção de liquidez e certeza.

Esse posicionamento nos causou certa inquietação na medida em que dá margem para que a Procuradoria da Fazenda, mesmo sem lastro em provas, faça incluir o nome do sócio no título executivo, o que somente poderá ser obstado por meio de prova negativa do particular. E essa inquietação se acentuou diante da ausência de previsão legal e de uma posição firme da jurisprudência sobre o procedimento para a constituição de crédito tributário em face de responsáveis.

Neste contexto, foi editada a Portaria PGFN nº 180, de 2010, que trouxe alguma esperança aos administrados, vez que se propôs a regular o procedimento para a inserção dos responsáveis na CDA. Estabeleceu que a inclusão dessas pessoas no título requer declaração fundamentada da autoridade competente acerca da realização de uma das infração que enumera.

A despeito de plausível a presente tentativa, o que se vê é que esta portaria, além de ser demasiadamente vaga – não explica o que é declaração fundamentada: se trata de mera descrição da infração, deve estar acompanhada de provas; e quais provas – subverte o regime jurídico para a constituição e exigência do crédito tributário, já que: i. autoriza a inclusão de sujeito passivo na CDA sem a prévia expedição de lançamento contra sua pessoa;

ii. outorga competência para a procuradoria constituir crédito tributário. Afinal, é ela quem decidirá sobre a inclusão do responsável na obrigação;

iii. deixa a mercê da procuradoria definir quais são as provas suficientes para comprovar a responsabilidade.

Com efeito, responsável não se confunde com o mero garantidor da dívida. Ele é, nos termos do artigo 121, do CTN, sujeito passivo tributário e, como tal, tem direito a todas as garantidas outorgadas aos contribuintes, tais como um procedimento rígido para a constituição de crédito, ao contraditório e à ampla defesa em âmbito administrativo.

É muito distinta a legitimidade da execução de um título confeccionado pela manifestação de vontade de todas as partes envolvidas, daquela decorrente de título constituído apenas pelo credor. Uma coisa é redirecionar os atos coativos para um fiador, que voluntariamente se declara garante, outra é direcioná-la para um sócio que não reconheceu a dívida, tampouco pôde se defender.

É justamente por conta dessa peculiaridade que o processo administrativo foi elevado à categoria de requisito de validade da CDA, quando relativo a tributo constituído pela administração. Sem que seja conferido ao sujeito passivo o direito se defender da exigência antes da execução, ter-se-á comprometida a certeza e a liquidez do título que a fundamenta.

Ademais, a presunção de liquidez e certeza da CDA não possui o alcance que se lhe pretende atribuir o STJ. Mesmo nos casos em que a lei estabelece presunções, é necessária a prova do fato que desencadeia a operação presuntiva. A presunção não dispensa o Fisco de apresentar provas, apenas permite seja demonstrada a ocorrência de um fato por conta da prova de outro. Nota-se, pois, que a presunção relativa à CDA decorre unicamente do fato de ela refletir o ato de constituição do crédito. Inexistente este, insustentável aquela.

Qualquer divergência entre a CDA e o lançamento torna-a inapta para fundamentar a execução, por distanciamento de seu pressuposto jurídico.

Assim, resta evidente que, caso seja instaurada execução fiscal sem o prévio acertamento, pelas provas, do fato da responsabilidade, a defesa do particular deve se restringir a este aspecto: ausência de lastro do título – o que é possível mediante a demonstração de que o lançamento foi lavrado apenas contra o contribuinte; não houve processo administrativo contra a sua pessoa; a declaração emitida pelo particular não faz referência ao responsável etc. Em nosso sentir, essa alegação é suficiente para ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, cabendo ao Fisco apresentar outras provas do seu direito.

Por fim, deve-se ter presente que levar o raciocínio proposto pela jurisprudência do STJ às últimas consequências implica aceitar que a Procuradoria da Fazenda pode, com suposto fundamento na presunção de liquidez e certeza da CDA, emitir título sem qualquer lastro em provas, em flagrante violação de direitos e garantias constitucionais. E isso não apenas no que se refere critério subjetivo, mas em relação a qualquer elemento do fato ou da relação tributária. Basta inscrever o débito em dívida ativa, nos termos que bem entender, para que se desloque para o sujeito passivo o dever de, em sede de embargos à execução, mediante constrição de seu patrimônio, demonstrar que nada do declarado ocorreu.

——————————————
Em suma, a referida decisão diz respeito aos casos nos casos onde a CDA emitida pelo Fisco já consta, de antemão, o nome do sócio, atribuindo-lhe responsabilidade pelo crédito tributário executado.
Importante frisar, como meio de defesa aceito, inclusive exposto pela Ministra Eliana Calmon, do STJ, que o contribuinte pode requerer que o Fisco junto aos autos a cópia integral do Processo Administrativo a fim de que reste demonstrado, pelo Fisco, que houve a busca da responsabilidade do sócio, nos termos expostos pelo Código Tributário Nacional.
Na maioria das vezes, como o Fisco não realiza qualquer busca, apenas externando o nome do sócio como responsável, ele pode livrar-se, salvo, por óbvio, casos em que ficou provada a responsabilidade do mesmo e, ainda, quando houver o encerramento irregular da pessa jurídica.
Abraços.,
Luciano Bushatsky Andrade de Alencar
Advogado Aduaneiro.

< voltar