Tomei conhecimento do artigo escrito pelos advogados Breno Kingma e Daniel Sternick, publicado no jornal Valor, edição Sexta-feira e fim de semana, 5, 6 e 7 de novembro de 2010, intitulado Mandado de Segurança em matéria tributária, o qual foi abordado, de modo bem específico, as dificuldades dos militantes na advocacia tributária quando o objetivo do Mandado de Segurança é a garantia da compensação dos débitos com os créditos tributários do contribuinte.
O referido artigo me motivou a expor, neste blog, as dificuldades que existem no ramo Aduaneiro. A exposição será de modo bastante informal, apenas externando a opinião pessoal deste autor com a matéria.
A principal dificuldade existente, e que será tratada no presente post, é a que se refere à liberação de mercadorias provenientes do exterior, inclusive com exemplos práticos que, a nosso ver, dependendo da situação, o entendimento será pela correta aplicação da Lei 12.016/2009 (Nova Lei do Mandado de Segurança), ou pela sua não aplicação em face das características específicas dos casos concretos apresentados.
Cumpre, primeiramente, indicar que o artigo 7º da Lei 12.016/2009, em seu §2º, veda, de modo expresso, a concessão de medida liminar para “entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior”.
Dito isto, vamos aos dois casos práticos que serão apresentados:
1º caso. O importador tenta fazer ingressar no território nacional mercadoria com indícios de falsidade, tendo sido a Declaração de Importação parametrizada no canal vermelho, e o fiscal responsável, ao ter o primeiro contato com a mercadoria, identifica os referidos indícios e a encaminha para análise de possíveis interessados (detentores da marca), dando aos últimos um prazo de 30 (trinta) dias para que se pronunciem a respeito. Tal prazo, abra-se um parêntese, acarretará em cobrança de demurrage para o importador, o que irá encarecer o produto e reduzir seus ganhos;
2º caso. O importador tenta fazer ingressar no território nacional mercadorias em perfeito estado, sem quaisquer indícios de falsidade, porém, com a parametrização de sua mercadoria no canal vermelho, o fiscal responsável desconfia da real classificação fiscal da mercadoria. Diga-se, ainda, que nem a classificação fiscal apontada pelo importador necessita de Licença de Importação, nem a apontada pelo fiscal necessita da referida anuência. A grande diferença existente se dá, unicamente, no tocante à tributação que incidirá no ato do desembaraço aduaneiro. Diante da referida dúvida, o fiscal encaminha a mercadoria para órgão representante dos fabricantes nacionais do produto, dando ao mesmo um prazo de 30 (trinta) dias para emissão de um laudo atestando a real classificação da mercadoria. Neste caso, como no primeiro, haverá a cobrança de demurrage pelo tempo dispendido pelo conteiner no terminal portuário. O fiscal, ainda, impossibilitou que o desembaraço continuasse até que o laudo fosse encaminhado à repartição aduaneira;
Ora, nos dois casos, os importadores se sentiram lesados com o ato fiscal, ingressando com Mandado de Segurança em face dos mesmos, com pedido liminar e extensa prova documental.
Há um detalhe peculiar para o deslinde dos casos acima expostos, pois no 1º caso, uma vez que existe nítida presunção de fraude, incidirá o artigos 65, 66 e seguintes da Instrução Normativa 206/2002, vez que se trata de importação que atenta contra a propriedade industrial e, inclusive, ao direito do consumidor.
Já no 2º caso há mero conflito de entendimentos entre o contribuinte e o fiscal da aduana.
Ambos os casos acima citados foram apreciados, recentemente, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que se pronunciou nos seguintes sentidos:
Julgamento para o 1º caso:
TRIBUTÁRIO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. PROCEDIMENTO ESPECIAL DE FISCALIZAÇÃO. INDÍCIOS DE FALSIDADE DOCUMENTAL. APREENSÃO DAS MERCADORIAS. LEGALIDADE.
1. O procedimento instaurado com fulcro na Instrução Normativa n.° 206/2002 e na Medida Provisória 2.158-35/2001 tem nítido caráter investigatório e, portanto, de natureza inquisitiva. Por isso, não há razão para falar em ilegitimidade da instauração do procedimento especial de controle aduaneiro em razão de indícios de infração punível com perdimento obtidos de maneira ilícita, visto que não se tem nele, ainda, procedimento fiscal impositivo de penalidade, a exigir os rigores do contraditório e da ampla defesa, pois sua finalidade é verificar se procedem suspeitas de irregularidades puníveis com a pena de perdimento. Com efeito, a aplicação da pena de perdimento não é objeto desse procedimento investigatório, embora possa dele recorrer.
2. Na hipótese, a instauração do procedimento especial de controle aduaneiro, com a consequente retenção das mercadorias encontra-se amparada em indícios suficientes de falsificação documental que a justifique.
3. O Poder Público está autorizado a, no exercício do poder de polícia, fiscalizar o contribuinte e, até mesmo, restringir o exercício de algum direito privado, em face de determinadas situações previamente estabelecidas em lei. Neste sentido, a impetrante não pode esquivar-se de apresentar, à autoridade competente, a documentação requisitada, porquanto a conduta da autoridade coatora – ao exigir a apresentação de documentos com vistas a identificar a regularidade das operações de importação, dando azo, inclusive à instauração de procedimento especial de controle aduaneiro -, cinge-se ao desempenho do seu dever legal, com espeque no art. 237 da Constituição da República. Dessarte, à luz do art. 195 do CTN, não há como negar legitimidade à instauração de procedimento de fiscalização.
AC – APELAÇÃO CÍVEL Nº 0003697-93.2009.404.7201. Rel. Des. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia. PRIMEIRA TURMA. DJE 20.10.2009.
Julgamento para o 2º caso:
TRIBUTÁRIO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. RECLASSIFICAÇÃO FISCAL. RETENÇÃO DAS MERCADORIAS INDEVIDA. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. SÚMULA 323/STF.
1. A exigência de reclassificação, recolhimento da diferença de tributos e a exigência de pagamento de multa como condicionantes do término do despacho aduaneiro é análoga à apreensão para fins de cobrança de tributo, visto que a não finalização do despacho acarreta a permanência da mercadoria nos recintos alfandegários.
2. A colocação da mercadoria à disposição da impetrante não implica prejuízo ao erário público, haja vista estar resguardado ao Fisco a faculdade de formalizar as exigências que venha a entender cabíveis a posteriori, através de procedimento administrativo fiscal.
3. Exigir como condição para liberação das mercadorias o imediato pagamento do tributo retira do contribuinte a faculdade de impugnar a decisão administrativa, violando o devido processo legal que se lhe há de assegurar sempre.
APELAÇÃO / REEXAME NECESSÁRIO. 2008.71.01.000190-9. Rel. Des. Eduardo Vandré Oliveira Lema Garcia. PRIMEIRA TURMA. DJe 20.10.2010.
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Ora, concluimos, desta feita, que a redação dada ao supracitado §2º do artigo 7º da Lei 12.016/2009 é passível de que seja arguida inconstitucionalidade pois, como visto, no 1º caso há razões suficientes em favor da Aduana em reter a mercadoria, por outro lado, no 2º, a retenção da mercadoria irá diretamente de encontro ao princípio constitucional de “continuidade da atividade econômica”, delineado no artigos 170 e seguintes da Constituição Federal.
E, diga-se de passagem, já me deparei com um caso concreto semelhante ao 2º, o qual ocasionou na suspensão de atividades de uma indústria pelo simples fato da mercadoria ter sido retida pela Aduana e, por consequencia de tal ato, a indústrias ficar sem matéria-prima para a execução de suas atividades.
Desta feita, resta claro que o Julgador, ao se deparar com um Mandado de Segurança visando a concessão de liminar que ocasione na liberação de mercadorias importadas do exterior, deve, antes de agarrar-se ao texto da nova Lei do Mandado Segurança, analisar o caso concreto de modo a aplicar uma exegese teleológica, que possibilitará ao mesmo identificar a real vontade do legislador em criar tal restrição.
Para mim, o motivo da criação da referida restrição não foi outro, senão aquele que veda a liberação, por liminar, de mercadorias retidas por alguma das hipóteses da Instrução Normativa SRF nº 206/2002, que, apesar de não ser Lei, é tratada como tal no dia-a-dia do Direito Aduaneiro. (Um dentre os milhares de absurdos jurídicos…).
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