Artigo: “Comércio Exterior tem início de ano agitado”
Comércio Exterior tem início de ano agitado Por Adriana Dantas O ano de 2012 começou agitado, com a criação de novas regras e procedimentos que afetam o acesso de importações ao mercado brasileiro. No final de janeiro, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicou nova resolução que institui o Grupo Técnico sobre Alterações Temporárias da Tarifa Externa Comum do Mercosul (GTAT- TEC). Tal grupo tem como missão analisar pleitos voltados à proteção de setores da indústria doméstica, por meio da elevação temporária do imposto de importação (II) de 100 produtos, com prazo para apresentação de pedidos vigente até o dia 02 de abril próximo. Em um contexto de maior atratividade do mercado nacional a produtos importados, a possibilidade de proteção, em casos em que desequilíbrios comerciais fiquem caracterizados, é bem recebida por setores da indústria mais afetados pela pressão de importações, sobretudo de produtos provenientes da China e do sudeste asiático. Segmentos da economia dependentes de importações, por outro lado, ficam preocupados ante a perspectiva de terem seu negócio afetado pelo aumento de impostos de importação, com impactos econômicos muitas vezes significativos, fruto de um procedimento confidencial, não sujeito ao contraditório. A reunião da Camex de fevereiro resultou na criação do Grupo Técnico de Avaliação de Interesse Público (GTIP), grupo que tende a alterar a dinâmica dos processos de defesa comercial. O GTIP exercerá função distinta à do GTAT-TEC, função essa circunscrita à análise dos impactos da aplicação de direitos antidumping e compensatórios (anti-subsídios) sobre setores da indústria afetados por eventual aplicação de tais direitos. Investigações antidumping e anti-subsídios são conduzidas pelo Departamento de Defesa Comercial (Decom) da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) que elabora parecer determinando a aplicação ou não de direitos antidumping e compensatórios, após análise de dados apresentados no decorrer de um intenso processo investigatório. O parecer do Decom é estritamente técnico e não considera os impactos econômicos mais amplos que a futura restrição às importações acarretará sobre o setor envolvido. Por exemplo, falta de capacidade produtiva, eventuais aumentos sobre os preços de insumos e aspectos concorrenciais não são considerados na análise. Avaliação mais ampla acerca dos referidos impactos econômicos ficava sob a responsabilidade de outro grupo, o Grupo Técnico de Defesa Comercial (GTDC), que, na prática, apenas ratificava o parecer do Decom nos casos de recomendação pela aplicação de direitos antidumping e compensatórios. Já o recém-criado GTIP, grupo integrado por representantes dos sete ministérios que compõem a Camex, institucionaliza o procedimento de análise da suspensão ou alteração de medidas antidumping e compensatórias provisórias e definitivas por razões de interesse público. A institucionalização da cláusula do “interesse público” nos processos de defesa comercial aproxima o sistema brasileiro do europeu. Este inclui a cláusula do “interesse comunitário”, que pode impedir a imposição de medidas antidumping e compensatórias mesmo ante a determinação positiva da prática desleal de comércio, do dano à indústria considerada e do nexo causal entre os dois elementos. No caso europeu, a análise do interesse comunitário integra todas as decisões e, junto com a determinação positiva de dumping, dano e nexo causal, é um requisito para a aplicação do direito antidumping. Na prática, são poucos os casos onde a Comissão Européia concluiu não ser do interesse da União Européia a aplicação de medidas de defesa comercial. Exemplos de casos onde a cláusula foi aplicada são investigações anti-dumping envolvendo importações de salmão do Chile e álbuns fotográficos. Ainda, no caso europeu, o pouco recurso à cláusula do interesse comunitário deve-se, sobretudo, à falta de organização dos setores afetados pelas medidas, ou seja, dos importadores e usuários do produto em questão. No caso brasileiro, a organização desses setores e sua conduta pró-ativa também será fundamental. Com a publicação da Resolução 13 da Camex, de 1o de março de 2012, pedidos de suspensão ou alteração de medidas antidumping e compensatórias deverão ser apresentados à Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda, que coordenará a apreciação dos elementos de fato e de direito que amparam o pedido. Trata-se de inovação importante que permitirá a maior participação do Ministério da Fazenda nesse processo por meio da Seae, que, até então, exercia participação tímida em processos de defesa comercial. Um ponto de destaque é a possibilidade de qualquer membro do GTIP, ou outro órgão da Administração Pública Federal, solicitar, “a qualquer tempo”, informações necessárias à análise. Essa previsão legal tem potencial para gerar confusão tanto para as partes envolvidas, como para a administração pública. Em todo caso, a criação do GTIP e a institucionalização da cláusula do interesse público são sinais positivos para importadores e setores da indústria dependentes das importações, os quais serão mais ouvidos sob o novo mecanismo. A SEAE deverá também trazer elementos da sua experiência em questões concorrenciais para a defesa comercial. Em resumo, enquanto a criação do GTAT-TEC gerou preocupações para os setores dependentes do fluxo continuo de importações, o recém-criado GTIP sinaliza que suas preocupações serão mais ouvidas muito embora em contexto distinto, o dos processos antidumping e compensatórios.
Fiscalização abusiva na importação prejudica empresas – Raul Haidar
Fiscalização abusiva prejudica a economia Por Raul Haidar Embora sejam necessários controles rigorosos sobre as importações de mercadorias em nossas repartições alfandegárias, não nos parece que tais procedimentos estejam ocorrendo conforme a correta aplicação das leis. Com preocupante frequência registram-se retenções de mercadorias, causando sérios transtornos e prejuízos aos importadores, de tal maneira que se chega a ter a impressão que o rigor excessivo se faz de forma errada, com o firme propósito de afastar os pequenos e médios comerciantes desse ramo de atividade. Mesmo quando o importador atendeu a todas as exigências legais e no exame da mercadoria inexiste qualquer óbice ao desembaraço, o comerciante pode ver suspensa a liberação quase sempre por alegações de “interposição fraudulenta”, ou “falta de capacidade financeira” ou mesmo “subfaturamento”. A fiscalização procura amparo muitas vezes no artigo 1º e seu § 1º da IN 228, que manda aplicar um procedimento “especial” baseado em indícios. Diz a norma administrativa: “Art. 1º – As empresas que revelarem indícios de incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior e a capacidade econômica e financeira evidenciada ficarão sujeitas a procedimento especial de fiscalização, nos termos desta Instrução Normativa. § 1º O procedimento especial a que se refere o caput visa a identificar e coibir a ação fraudulenta de interpostas pessoas em operações de comércio exterior, como meio de dificultar a verificação da origem dos recursos aplicados, ou dos responsáveis por infração à legislação em vigor.” Não pode a autoridade alfandegária, contudo, basear-se em mero indício sem adequado amparo documental. Reter mercadoria apenas porque há indício de falta de capacidade econômica, é totalmente ilegal. Não pode um ato meramente administrativo, a IN 228, autorizar retenção de mercadorias com base em meras suposições. O Judiciário já reconheceu em várias oportunidades a ilegalidade desse procedimento, como se vê especialmente em decisões do TRF-4 (Processos 2003.04.01.026070-6 e 2003.04.01.018264-1, por exemplo), conforme a seguinte ementa: “TRIBUTÁRIO-AGRAVO DE INSTRUMENTO-LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS-PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA O DESEMBARAÇO ADUANEIRO – PROCEDIMENTO ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO-IN 228/2002 – 1. Não se mostra razoável a aplicação da IN nº 228/02, haja visa a necessidade da presença de indícios robustos e concretos, não bastando a simples suspeita da autoridade fiscal, para se admitir a restrição da atividade econômica da empresa, pela retenção de mercadoria necessária ao seu funcionamento. 2. A capacidade econômica da importadora não se fulcra apenas no valor declarado do seu capital social e o procedimento administrativo existe exatamente para que fique comprovada a sua situação financeira, o que demanda, obviamente, maiores esforços do que os aqui coligidos.” Em algumas ocasiões a autoridade alfandegária suspende a liberação e retém as mercadorias porque estariam elas com preços inferiores à realidade, apresentando indícios de subfaturamento. Nesses casos o “arbitramento” feito pelo fiscal de plantão é desprovido de base legal e muitas vezes se baseia em informações não oficiais, quase sempre obtidas na internet, onde são pesquisados os preços tidos como reais. O subfaturamento, seja na importação ou nas operações de mercado interno, passa, necessariamente, por duas etapas: primeira, o conluio que deve existir entre o adquirente e o fornecedor; segunda, a prova de que aquele tenha pago a este uma diferença entre o valor real da operação e o valor “subfaturado”. Já observamos casos em que não havia qualquer prova razoável seja do conluio, seja do pagamento da diferença. E, como é curial, cabe ao Fisco fazer a prova dos fatos que alega, não podendo a autuação basear-se em meros indícios ou presunções. Nesse sentido, há inúmeras decisões tanto de tribunais administrativos quanto judiciais, podendo ser citadas as seguintes: “Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário.” ( 2º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, acórdão 51.841, in “Revista Fiscal” de 1970 , decisão nº 69). “Para efeitos legais não se admite como débito fiscal o apurado por simples dedução.” (idem, acórdão 50.527,Diário Oficial da União de 11.7.69,secção IV). “Processo Fiscal – Não pode ser instaurado com base em mera presunção. Segurança concedida.” (Tribunal Federal de Recursos, 2ª Turma, Agravo em Mandado de Segurança nº 65.941 in “Resenha Tributária” nº 8) Invariavelmente, as autuações relacionadas com subfaturamento são precedidas de diversas diligências, realizadas sem que delas o contribuinte tenha sido previamente notificado. Nesses casos, as provas obtidas podem ser questionadas, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, ordena que: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” O chamado princípio do contraditório e ampla defesa, consubstanciado no dispositivo constitucional acima transcrito, não se compadece com qualquer mecanismo de procedimentos em que atos processuais se realizem sem a presença do acusado. A questão das diligências fiscais, ou “investigações” como gostam de usar agentes do Fisco, está regulada no Código Tributário Nacional, cujo artigo 196 é bem claro: “Art. 196 – A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas. Parágrafo Único – Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo.” Isso demonstra que as tais investigações que o Fisco estaria realizando em relação a empresas acusadas de subfaturamento devem seguir normas legais específicas, sob pena de não terem nenhum valor. Além disso, a empresa que possui contabilidade em ordem, amparada em documentação formalmente válida, tem a seu favor a presunção de legitimidade da escrituração, presunção essa que não se pode afastar com meras diligências administrativas unilateralmente produzidas. Não pode a fiscalização aduaneira cometer atos sem amparo em lei com base em meras presunções ou indícios. Não pode, igualmente, impedir que o importador exerça suas atividades uma vez atendidas as formalidades que a lei prevê. Caso entenda algum servidor público que há um crescimento de importações
Suposições não são verdades absolutas. E, portanto, não embasam acusação de subfaturamento
Suposições não embasam acusação de subfaturamento Por Raul Haidar O Secretario da Receita Federal anunciou recentemente que será criado um órgão destinado a combater o subfaturamento nas importações. Tal combate teria como alvo principal a importação de mercadorias vindas da China. Declaração atribuida ao secretário menciona o uso de preços menores do que os reais naquelas operações, com o propósito de reduzir os impostos incidentes no Brasil, especialmente o imposto de importação, o IPI e o ICMS. O país importa livremente há mais de vinte anos e a informação traz consigo a falsa idéia de que não haja controle eficaz nessa atividade sob o ponto de vista tributário ou, pior ainda, o registro de que servidores públicos tenham sido negligentes no seu dever de fiscalizar. A fiscalização como regra tem sido eficaz. A Receita Federal do Brasil é uma das mais eficientes do mundo e seus auditores são selecionados de forma rigorosa. Prova disso é o crescimento da arrecadação ao longo dos anos, mesmo nas épocas em que a economia estava quase estagnada. O país parava, mas a arrecadação continuava crescendo. Como é pouco provável que os contribuintes ficassem mais patriotas quando ganhavam menos , a explicação está no crescimento da carga tributária e no funcionamento dos controles fiscais. Assim, soa ridícula ou pelo menos curiosa a afirmação de que existiria na RFB um setor de inteligência , uma vez que os fatos atestam que não há nessa área do serviço público ninguém que possa ser considerado intelectualmente prejudicado ou, como se diria vulgarmente, não há nenhum burro que tenha sido aprovado nesses concursos. Assim, a palavra inteligencia foi usada no sentido de órgão de espionagem, quase sempre uma fábrica de provas ilícitas. Tais considerações colocam em discussão a possibilidade de que, mais uma vez, o Fisco possa lavrar autos de infração de grandes proporções, caso não leve em conta certas regras básicas que norteiam a atividade tributária. Pode ser que para fortalecer reinvidicações salariais de funcionários, justificar aumento do numero de servidores ou desviar a atenção do povo de outras questões, criem-se ações fiscalizatórias de grande repercussão na mídia e nenhum resultado prático na arrecadação. Muitas empresas importadoras já foram acusadas de subfaturamento. Uma delas sofreu auto de infração cobrando mais de trezentos milhões de dólares a títulos de impostos e multas. O caso teve repercussão na mídia , mas o contribuinte conseguiu provar a regularidade de seu procedimento já na esfera administrativa. O próprio fisco reconheceu que estava errado, que não havia provas do subfaturamento. No caso mencionado as mercadorias eram veículos, cujo preço de mercado pode ser conhecido com muita facilidade no mundo inteiro. Mas avaliar ou arbitrar valor de mercado para certas mercadorias como matérias primas, tecidos, roupas, brinquedos, calçados, bijuterias, peças, etc. é quase impossível. Nessas mercadorias há valores agregados de difícil quantificação, relacionados com as respectivas marcas ou “grifes”, excesso momentâneo de oferta no mercado, uso de estoques de mercadorias de modelos antigos, fora de linha, dificuldades financeiras do exportador, instabilidade política no país de origem, etc. Tudo isso interfere no preço da mercadoria no mercado internacional. Por isso é que uma acusação de subfaturamento só se sustenta com base em prova evidente, clara, insofismável, ou seja, com a prova documental de que houve um pagamento por fora , um conluio entre importador e exportador. Sem uma prova robusta, o que existe é fantasia, presunção, hipótese, ou seja, nada que valha como prova. Um automóvel Mercedes é um automóvel Mercedes, aqui ou em qualquer lugar. Mas certas mercadorias tem preços diferenciados não só em função da marca ou “grife” que trazem de fábrica, mas também do lugar onde são vendidos no varejo. Eu mesmo comprei um relógio certa vez, com nota fiscal e garantia numa loja do centro da cidade, pela metade do preço que me pediram num shopping. A loja da cidade não subfaturou, mas apenas deixou de cobrar os custos que não tem por ser uma loja simples, administrada pelo próprio dono e seus familiares, localizada num prédio modesto. O subfaturamento, seja na importação ou nas operações de mercado interno, passa, necessariamente, por duas etapas: primeira, o conluio que deve existir entre o adquirente e o fornecedor; segunda, a prova de que aquele tenha pago a este uma diferença entre o valor real da operação e o valor “subfaturado”. Já observamos casos em que não havia qualquer prova razoável seja do conluio, seja do pagamento da diferença. E, como é curial, cabe ao Fisco fazer a prova dos fatos que alega, não podendo a autuação basear-se em meros indícios ou presunções. Nesse sentido, há inúmeras decisões tanto de tribunais administrativos quanto judiciais, podendo ser citadas as seguintes: “Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário.” (2º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, acórdão 51.841, in “Revista Fiscal” de 1970 , decisão nº 69). “Processo Fiscal – Não pode ser instaurado com base em mera presunção. Segurança concedida.” (Tribunal Federal de Recursos, 2ª Turma, Agravo em Mandado de Segurança nº 65.941 in “Resenha Tributária” nº 8) Invariavelmente, as autuações relacionadas com “sub faturamento” são precedidas de diversas diligências, realizadas sem que delas o contribuinte autuado tenha sido previamente notificado. Nesses casos, as provas assim obtidas podem ser questionadas, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, ordena que: “LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” O chamado “princípio do contraditório e ampla defesa”, consubstanciado no dispositivo constitucional acima transcrito, não se compadece com qualquer mecanismo de procedimentos em que atos processuais se realizem sem a presença do acusado e sem que se lhe permita contraditar testemunhas ou “depoentes”. A questão das diligências fiscais, ou “investigações” como gostam de usar os agentes do Fisco, está regulada no Código Tributário Nacional, cujo artigo 196 é bem claro: “Art. 196 – A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que
Importação de videogame
Tributação de videogame na importação Por Eduardo B. M. Roque A Indústria de software vem crescendo de forma acelerada nos últimos anos. Dados de 2010 informam que o setor de software e serviços atingiu faturamento de R$ 19,04 bilhões em um crescimento de quase 21% em relação à 2009. Os dados são da 7ª edição da pesquisa “Mercado Brasileiro de Software – Panorama e Tendências”. Inserida nas estatísticas de crescimento, concorre a indústria e o comércio de software de jogos eletrônicos para videogame, que são, nada mais nada menos, programas de computador voltados para o entretenimento, utilizados em centrais de processamento de dados específicos denominados “consoles de videogame”, fabricados pelas gigantes do setor: Sony, Microsoft e Nintendo. Os jogos de videogame enquadram-se perfeitamente no conceito de programa de computador previsto no artigo 1º da Lei nº 9.609, de 1998 (lei do software), pois ele são compostos de um conjunto organizado de instruções em linguagem codificada (linguagem de programação), contida num suporte físico, como um CD, DVD ou Blu Ray, que dependem sobremaneira dos consoles, que são verdadeiros computadores, para serem processados. Ocorre que boa parte dos softwares de jogos eletrônicos comercializados no país é importada, eis que seus desenvolvedores encontram-se no exterior, o que pode ensejar um alto valor final ao consumidor brasileiro, incentivando indiretamente o contrabando e a pirataria. A Receita Federal equipara os softwares de videogame a mídias menos complexas No intuito de fomentar o mercado legal de software, o artigo 81 do Regulamento Aduaneiro dispõe que os tributos na importação de softwares, incidirão sobre o valor do suporte físico em que estão gravados. Tal regra é saudável para a economia, proporcionando aos distribuidores e aos comerciantes combater em paridade de preços com os contrabandistas e os piratas. No entanto, a interpretação da Receita Federal do Brasil acerca do dispositivo legal, produz efeito contrário para esse mercado. A Receita Federal trata os softwares de jogos eletrônicos de videogame como se fossem gravações de som, cinema e áudio, equiparando-os às mídias menos complexas, como DVDs de filmes (obras audiovisuais), que sofrem tributação mais gravosa, já que nesse caso aplica-se ao valor da obra intelectual e do suporte físico, consoante o parágrafo 3º do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro. Não bastasse isso, o Fisco tem alegado que o jogo eletrônico, por ter o objetivo de diversão e entretenimento, não poderia ser valer desse benefício, conforme os fundamentos da solução de consulta nº 472, de 2009. Todavia, os conceitos de softwares e obras audiovisuais são completamente distintos. O conceito de obra audiovisual está previsto na Medida Provisória nº 2.219, de 2001, que a classifica como o produto da fixação ou transmissão de imagens, com ou sem som, que tenha a finalidade de criar a impressão de movimento. Numa obra audiovisual, como por exemplo, uma película cinematográfica, as imagens estáticas e sequenciais estão num rolo de filme que, mecanicamente movimentado em contraposição à luz do projetor, cria na tela de cinema a impressão de movimento. Frise-se que no caso da obra audiovisual não há participação do usuário durante a reprodução. Situação diferente é a do software de jogo eletrônico, pois em que pese haver som e imagem (todo o software moderno contém som e imagem), esse produto é fruto da linguagem técnica digital, que não tem por fim criar a impressão de movimento e sim criar a interação entre o usuário e o programa, este previamente instalado e processado no console, não meramente reproduzido, tal qual ocorre num leitor de DVD. A finalidade para a qual os jogos de videogame foram criados não tem o condão de desvirtuar sua natureza jurídica: são softwares. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento de denúncia criminal (processo 1.0183.05.097945-3/001) fundamentada no artigo 184 do Código Penal, que trata da violação do direito do autor, desclassificou o crime, indicando que na verdade houvera a violação do art. 12 da Lei nº 9.609, que protege o direito autoral do desenvolvedor do software. Essa posição reforça que os games são classificados como softwares. Portanto, com devido respeito àqueles que entendem de forma diversa, a interpretação do disposto no caput do artigo 81 do Regulamento Aduaneiro em relação aos softwares de jogos eletrônicos de videogame deve ser analisada à luz de seu conceito técnico, sob pena de se criar hipótese de incidência tributária não prevista em lei, ferindo o supremo princípio da legalidade tributária. Eduardo B. M. Roque é advogado em São Paulo, Especialista em direito tributário pela PUC-SP
“Guerra Fiscal ganhou proporções com a CF de 88” – Everardo Maciel
Guerra fiscal ganhou proporções com a CF de 88 Por Everardo Maciel [Artigo originalmente publicado no Blog do Noblat, nesta segunda-feira (5/9/2011)] Não há como subestimar a importância das forças regionais na política brasileira. Foram elas que garantiram nossa integridade territorial e, por consequência, uma diversidade econômica, cultural e ecológica que confere ao Brasil papel de relevo no cenário internacional. De outro lado, como uma espécie de paga pelo esforço em favor da unidade territorial, sempre reclamaram uma maior descentralização político-administrativa, da qual resultou, por exemplo, uma meticulosa partilha de rendas, em boa parte abrigada no texto constitucional. Infelizmente, à minuciosa partilha não correspondeu uma minimamente consistente discriminação de encargos públicos, gerando sobreposição de competências e desperdícios, para não falar da irracionalidade das transferências de recursos oriundos de emendas parlamentares, que, por sua vez, se inscrevem em um tenebroso jogo de barganhas políticas e de corrupção. Esse federalismo imperfeito, em maior ou menor grau, sempre viveu em ebulição. Agora, especificamente, se avizinha uma crise de grandes proporções. A possibilidade de aprovação, no Congresso Nacional, de projetos que pretendem aumentar os recursos destinados à saúde e fixar um piso nacional para as polícias estaduais implicarão dispêndios incompatíveis com a já elevada carga tributária brasileira. Aqui não se faz um juízo de valor sobre esses projetos, mas uma simples constatação de incompatibilidade com os recursos disponíveis. Governar exige arbitrar conflitos de razão e eleger prioridades. Tratamentos preferenciais para determinadas políticas públicas é um ato de escolha que repercute em desfavor de outras. Quando não se cuida adequadamente dessas equações fiscais o desastre costuma bater à porta, a exemplo do que se ora se vê em vários países europeus. Em outra linha de raciocínio e tendo em conta a histórica indisposição para tornar mais eficiente a administração pública brasileira, aqueles projetos, se aprovados, sem nenhuma dúvida, irão exigir aumento da carga tributária, o que significa drenar maior volume de recursos da sociedade para o Estado, em detrimento dos investimentos privados. Os problemas, todavia, não se encerram aí. Decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucionais os vigentes critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE), modulando seus efeitos até 31 de dezembro de 2012. Findo esse prazo, sem a construção de novas regras compatíveis com a Constituição a sanção será suspender as transferências à conta daquele Fundo. Caso isso venha a acontecer, teremos um caos jamais visto nas contas estaduais. As perspectivas de elevação das transferências para os estados, em virtude dos royalties decorrentes da exploração do pré-sal, motivaram o Congresso a alterar os controversos critérios de rateio, em vigor, substituindo-os pelos do FPE. Ainda que a norma aprovada pelo Congresso tenha sido vetada pelo Poder Executivo, a simples possibilidade de apreciação do veto faculta imaginar uma situação absolutamente esdrúxula, que consiste em substituir critérios inconsistentes por outros tidos como inconstitucionais. Sempre afirmei que a guerra fiscal do ICMS decorria de flagrante descumprimento de lei. Instaurou-se uma anomia generalizada, às vezes hipocritamente censurada pelos próprios praticantes da ilegalidade. Ainda que não se possa comprovar a existência de nexo causal, a guerra fiscal ganhou proporções espetaculares a partir da exagerada autonomia concedida aos estados, pela Constituição de 1988, na formulação da política do ICMS combinada com o completo alheamento do governo federal em relação a essa mesma política, simbolizado pela extinção, no início dos anos 1990, da Secretaria de Economia e Finanças (SEF), no Ministério da Fazenda, e da Secretaria de Articulação com os Estados e Municípios (Sarem), no Ministério do Planejamento. Os legisladores constitucionais e o governo federal não entenderam que o ICMS só por absurdo conceptual é tributo cometido aos estados. Admitida, contudo, essa incongruência como fato político definitivo, jamais se poderia prescindir de uma coordenação nacional, capaz de prevenir conflitos e articular interesses virtualmente antagônicos. Nesse contexto, o ICMS converteu-se em um primor de complexidade e de anarquia, no qual prosperam a farra das alíquotas e bases de cálculo, e a guerra fiscal. Na busca de caminhos para lidar com os escombros da guerra fiscal, algumas ideias me assustam. Já apontei a impropriedade da adoção do princípio do destino. Vejo agora algumas propostas que pretendem alterar a exigência de unanimidade nas deliberações do Conselho de Política Fazendária (Confaz), visando à concessão de benefícios fiscais. A fixação de um quórum para decisões colegiadas é função da natureza da matéria. Alterações constitucionais, como se sabe, são mais exigentes, em termos de quórum, do que a aprovação de uma lei ordinária, justamente para conferir maior estabilidade ao texto constitucional. A unanimidade requerida no Confaz decorre da simples evidência de que a concessão de um benefício fiscal por um Estado repercute sobre receitas de outros. Tal exigência é também verificável na União Europeia em relação ao IVA (imposto sobre o valor agregado). Não se trata, portanto, de uma idiossincrasia tributária. Ao contrário dos ortodoxos, não considero herética a concessão de incentivos no âmbito do ICMS, desde que nos termos de uma competição fiscal lícita, em que se abdique de soluções inconstitucionais. Percebo, todavia, que inexistem iniciativas voltadas para coordenar o diálogo entre os entes federativos. Nesse contexto, causa espanto a apatia do Congresso Nacional e do governo federal. O risco é que as restrições temporais findem por produzir remédios improvisados, conflituosos e iníquos. Everardo Maciel é geólogo e ex-secretário da Receita Federal. Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2011
Liberdade ao Comércio Internacional
Foi com imensa satisfação que tive acesso à obra “What is Free Trade?“, de Frédéric Bastiat, que foi publicado no longíquo ano de 1874, e republicado em inúmeras oportunidades. Apesar de ter sido escrito em uma época em que o comércio não possuía a mobilidade dos dias atuais, quando não havia sequer internet, e o mundo estava, diga-se, em uma época na qual a nação mais forte se apoderava da mais fraca, o livro cai como uma luva para os dias atuais. A obra, em si, é um extensa defesa do livre comércio, baseado na mínima intervenção estatal. Escrito por um residente no Estados Unidos da América, a obra deixa claro que o principal fornecedor da nação americana, à época, era a Inglaterra. Nada mais coerente, pois, afinal de contas, a Inglaterra ainda era o centro econômico do mundo. Àquela época, ainda, os congressistas americanos passaram a sobretaxar de modo violento as importações de produtos ingleses, das matérias-primas aos produtos acabados, sob a frágil alegação de que aquelas importações estavam prejudicando a indústria nacional. Ora, se pensarmos de um modo muito simples, toda importação prejudicará a indústria nacional, toda a compra, aliás, prejudicará. Porém, determinados prejuízos podem ser encarados como um ganho, no curto e médio prazo, isso porque o mundo de hoje requer especialidade. O homem deve conhecer o máximo do mínimo, ser especialista no assunto mais específico possível. A generalidade deixou de existir. Tal fato, diga-se, aplica-se também aos intervenientes no comércio internacional, isso porque a expertise em determinado produto específico gerará, para o seu fabricante, capacidade de dominar o mercado, desde o nacional ao internacional. Isso pode ser visto de modo bem simples quando se observa a Vale, a Petrobrás, a Gerdau, e outras empresas brasileiras que estão em destaque no comercio exterior. Retornando à obra, porém, Bastiat elenca um enorme rol de argumentos para sobrepor à tese de que as importações geram danos à indústria nacional, dentre eles, o argumento de especialidade elencada acima. Outro valioso argumento que o mesmo destaca, é o fato da importação gerar inúmeros ganhos para o país importador, pois ela aquece o mercado. Como exemplo, temos a seguinte equação: o industrial importando a preços menores produzirá mais, gerando maiores ganhos. Os referidos ganhos desaguarão na economia, pois aumentará o consumo, gerando, por reflexos, aumento nos empregos e aquecendo, desta forma, a economia nacional. Arguir que o fato de importar gera perdas à nação é um argumento frágil e, diga-se além, falacioso. Isso porque a própria indústria nacional funciona desta forma: nenhuma indústria quer produzir toda a matéria-prima necessária, pois a atividade de mercancia exige, hoje, do seu partícipe, especialização máxima naquilo que produz, seja serviço ou mercadoria. Não imaginamos que uma grande fábrica de camisas tenha sua própria plantação de algodão, pois tal fato gerará a necessidade de expertise em várias áreas, e, ainda, risco nessas mesmas áreas. A terceirização é a coqueluche dos dias atuais, pois permite que o comerciante foque todos os seus esforços na sua atividade-fim. Imaginemos, assim, uma fábrica de cadeiras. Ela possui os seus principais fornecedores e foca todo o seu know-how no desenvolvimento do design dos assentos, assim como nas formas de produzir uma cadeira que atraia, ainda mais, o seu consumidor. Porque deveria ela se preocupar com a fabricação do algodão, ou do tecido para o acabamento da cadeira, quando pode delegar tais funções a terceiros que possuem especialidade nessas áreas? O foco do mundo, à época, não era essa especialização, porém os argumentos externados por Frédéric Bastiat se dão, de forma brilhante, neste sentido. Ressalte-se, ainda, que hoje nos deparamos com o início de uma guerra cambial, que, consequentemente, tenderá a criar dificuldades no comércio exterior, desde fechamento dos mercados até medidas indiretas, como controle de câmbio. Tais medidas serão, de fato, eficazes? Não acredito. Sou defensor de um mercado aberto, no qual o Estado intervenha de forma mínima, criando sistemas regulatórios de permissão e fiscalização, mas, nunca, atuando como um partícipe ativo. A máquina estatal, assim como a fabricante de cadeiras do exemplo dado, necessita observar e atuar, unicamente, em sua atividade-fim, que, no caso do Brasil, é garantir todos aqueles Direitos Fundamentais criados pela Constituição Federal de 1988, especialmente em seu artigo 5º. Qualquer atuação além disso pode ser considerada uma verdadeira intervenção estatal na economia, que ocorre, de fato, nos dias atuais, com as intensas participações do Estado em empresas que, talvez, só continuam de pé em virtude do esforço do Estado em mantê-las vivas. Talvez nossa economia não esteja, ainda, preparada o bastante para andar sem a mãozinha do Estado em seu controle, porém, tal qual uma criança aprendendo a andar de bicicleta, no lugar de continuar na garupa do pai, que o Estado nos forneça uma bicicleta de rodinhas, e, conforme a evolução, retire as rodinhas e nos permita trilhar o caminho com destino ao futuro. Enquanto isso, que o Estado utilize seus recursos para prover as necessidades básicas dos cidadãos brasileiros, que tanto necessitam de Reformas, desde a Previdenciárias, quanto Política e Tributária. Por fim, recomendo a todos a leitura da obra de Frédéric Bastiat. Abraços., Luciano Bushatsky Andrade de Alencar.