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A ADC nº 18 não é caso para modular

Fábio M. de Andrade
15/02/2011 – Jornal Valor Econômico
Quando o ministro Luiz Fux completar a composição do Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF), espera-se a inclusão em pauta da ação declaratória de Constitucionalidade (ADC) nº 18 para as sessões de julgamento seguintes, já que a comunidade jurídica aguarda com ansiedade o pronunciamento definitivo acerca da questão da inconstitucionalidade da inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo da Cofins e do PIS. Levando em conta que o tema chegou ao Pleno do Supremo em 1999 e já chegou a contabilizar sete votos (nos autos do RE 240.785), a expectativa legítima de todos é que o seu julgamento seja encerrado na própria sessão que for (re)iniciado.

Espera-se também que a tendência virtualmente consagrada no resultado parcial do julgamento do RE 240.785 seja confirmada na apreciação do mérito da ADC nº 18. A confirmar-se essa tendência, será necessário ao STF examinar a questão relacionada ao pleito já formulado pela Fazenda Nacional sobre a eventual necessidade de aplicar a modulação temporal prospectiva dos efeitos desta decisão para aqueles que não ingressaram em juízo pleiteando o reconhecimento de seu direito.

O argumento retórico que pretensamente funda tal pedido se calca no tom consequencialista, preocupando-se com o suposto “rombo” de X bilhões de reais para os cofres públicos, golpeando ainda mais os orçamentos da Saúde e Seguridade Social, com claro viés “ad terrorem”. Os argumentos contrapostos, contudo, são capazes de neutralizar e desqualificar esse argumento falacioso, superando-o em todos os seus aspectos. Em caráter meramente exemplificativo, citamos brevemente alguns desses argumentos.

A modulação temporal só deve ser usada em favor dos contribuintes

Em primeiro lugar, decorre logicamente da declaração de inconstitucionalidade a legitimidade para aqueles prejudicados ingressarem em juízo, limitados pela prescrição. Disso decorre que há efetiva “apropriação indébita” que serviu para financiar parte das atividades estatais e que são anteriores aos últimos cinco anos e, portanto, irrecuperáveis para aqueles que não ingressaram em juízo mesmo com a declaração de inconstitucionalidade.

Além disso, a temida ameaça de aumento da carga tributária em razão da “derrota” imposta ao Fisco (com a declaração de inconstitucionalidade) é um vetor constante no jogo democrático e rigorosamente nada comprova que o resultado favorável em certa demanda judicial levaria ao decréscimo de tal carga que, aliás, só se tem elevado ultimamente.

É inerente às disputas tributárias que grande contingente em dinheiro esteja em jogo, tanto para os cofres públicos como também para os contribuintes. Afinal, há o outro lado da moeda, já que a imposição de certas “derrotas” judiciais pode levar as empresas, por exemplo: a demitir funcionários, rever seu plano estratégico de crescimento, estancar alguns investimentos produtivos, como eventual necessidade de desembolso ou provisão.

Cabe registrar, ademais, que os montantes crescentemente astronômicos que são alardeados pelo Fisco às vésperas do julgamento de relevante questão tributária são números mágicos e meramente especulativos, sem qualquer comprovação.

No plano doutrinário, juristas de escol têm defendido que a modulação temporal dos efeitos em matéria tributária só deve ser usada em favor dos contribuintes, e jamais em benefício do Fisco, já que materializa e dá concretude aos princípios da proteção da confiança legítima dos contribuintes e da boa-fé objetiva, que são subjacentes ao princípio da segurança jurídica, a garantir o contribuinte na sua desigual relação com o Fisco.

Como se não bastasse, a permissividade da Suprema Corte em questões sensíveis ao governo pode gerar uma indesejável percepção do legislador ordinário no sentido de que ela funcione como espécie de “segunda instância” do governo, o que seria inaceitável.

Cabe registrar que o parâmetro maior do Poder Judiciário é a Constituição da República, especialmente cuidando-se da Suprema Corte, que tem o elevado mister de guardá-la.

Por fim, cabe invocar a doutrina frequentemente defendida pelo ministro Celso de Mello no sentido de que o Estatuto do Contribuinte assegurado pelos ditames constitucionais não deve ser flexibilizado face às momentâneas necessidades governamentais, dentre os quais pinçamos os seguintes: a Constituição da República delineia verdadeiros limites aos Poderes do Estado (ADI 447); “(…) os desvios inconstitucionais do Estado, no exercício do seu poder de tributar, geram, na ilegitimidade desse comportamento do aparelho governamental, efeitos perversos, que, projetando-se nas relações jurídico-fiscais mantidas com os contribuintes, deformam os princípios que estruturam a ordem jurídica, subvertem as finalidades do sistema normativo e comprometem a integridade e a supremacia da própria Constituição da República” (Pet. 1.466); “Nada compensa a ruptura da ordem constitucional. Nada recompõe os gravíssimos efeitos que derivam do gesto de infidelidade ao texto da Lei Fundamental” (ADI 2.010); “Razões de Estado não podem ser invocadas para justificar o descumprimento da Constituição” (AI 244.578).

De fato, além de não ceder às necessidades governamentais momentâneas, o Poder Judiciário de modo geral, e particularmente a Suprema Corte, tem a elevada missão de não sucumbir ou se deixar levar pelas convenientes razões de Estado, sob pena de ruir também o projeto de Estado Democrático de Direito que temos logrado construir e a integridade da ordem constitucional que temos mantido há mais de 20 anos.

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