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Petroleiras usam brechas da legislação e importam até biquínis sem imposto

Regime aduaneiro do setor virou caixa-preta: renúncia fiscal não aparece no Orçamento e Receita não consegue fiscalizar operações

17 de setembro de 2011
Iuri Dantas, de O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – Petroleiras e suas prestadoras de serviços usam brechas na legislação especial de tributação do setor de petróleo e gás para importar biquínis, mesas de sinuca, selas, pregos, cabides, bijuterias e até papel higiênico sem pagar impostos nos últimos dez anos. Dados obtidos pela reportagem mostram que regras frouxas desfiguraram o regime aduaneiro especial conhecido como Repetro e transformaram o mecanismo em caixa-preta sem controle do Congresso ou da Receita. 

Criado em 1999, o Repetro é a maior renúncia fiscal de tributos externos do País: R$ 47 bilhões em impostos que o governo abriu mão de arrecadar nos últimos dez anos. Mas essa renúncia fiscal não consta do Orçamento e as operações não aparecem no sistema de comércio exterior, o que torna difícil medir com precisão o valor do benefício.

Analistas dizem que a desoneração pode alcançar três vezes o valor estimado e chegar a R$ 150 bilhões. O Ministério da Fazenda não quis se pronunciar sobre o assunto.

As dificuldades para monitorar o regime são intransponíveis, segundo especialistas. O problema está na forma como a legislação define que produtos podem ser importados. As regras preveem, por exemplo, a importação de “partes e peças” para garantir a operação de maquinário. Pelo menos 50 prestadores de serviço, mais a Petrobrás, OGX, Shell e Chevron, utilizaram o Repetro neste ano, segundo levantamento do Estado.

“A política de agregação de valor na cadeia de petróleo e gás é essencial para o Brasil, mas é preciso ter regras transparentes e fiscalização efetiva para não se tornar um faz de conta”, avaliou o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior.

Brechas. Uma mudança promovida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, em 2009, eliminou a exigência de mais rigor no programa.

Em vez de uma lista de produtos específicos que podem ser beneficiados, a mudança permite que as companhias de petróleo e gás forneçam uma “descrição” genérica dos bens que desejam importar. A modificação dificulta o controle pela Receita e prejudica a indústria nacional.

Dados da Receita obtidos pelo Estado mostram que é a falta da identificação dos produtos permite importar papel higiênico e roupas de cama no interior dos navios. Materiais como correntes, cordas, fios, parafusos e pinos, representam impostos não recolhidos de R$ 400 milhões. Tubos, válvulas, máquinas, bombas e motores não pagaram R$ 3,8 bilhões em impostos.

As empresas dizem que vão importar uma embarcação, mas aproveitam a brecha para trazer, no navio, os produtos de consumo para a tripulação e para os funcionários aqui no Brasil. Seria o mesmo que um usineiro aproveitar o conteiner de uma destilaria para importar facões para cortar cana e banheiros químicos para botar na plantação.

Se a regra previsse a “individualização” dos produtos beneficiados pelo Repetro, o fiscal poderia cobrar o imposto. “Identificar”, para os fiscais da Receita, é apenas constatar que o artigo diante dele é mesmo, por exemplo, o capacete de um operário de plataforma. “Individualizar” é dizer que o chapéu recebe código da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) e que paga um alíquota definida.

Exportação ficta. O Repetro atua em duas frentes. Permite que empresas brasileiras “exportem” produtos sem incidência de PIS/Cofins e IPI para exploração de campos no País, a chamada exportação ficta.

Na segunda modalidade, empresas podem importar equipamentos, máquinas, partes e peças por período “temporário”, para não prejudicar a indústria. As regras são tão imprecisas que as petroleiras importam artigos que depois da perfuração ficam presos ao fundo do mar.

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