Projeto de lei que regulamenta planejamento tributário está ‘quase’ pronto
Planejamento volta a ser debatido Por Bárbara Pombo | De São Paulo Quase dez meses após a Receita Federal ter elaborado, junto com contribuintes, um anteprojeto de lei para estabelecer regras de fiscalização para planejamentos tributários, especialistas querem retomar o debate para que a proposta – que chamam de “norma geral antiabusiva” – possa ser encaminhada ao Congresso. “São sugestões formuladas em conjunto pelos setores público e privado. A demanda pelo estabelecimento de critérios é de todos”, diz Eurico De Santi, professor e coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF-FGV). Apesar da concordância da necessidade de regras claras sobre o tema, dois projetos de lei que regulamentam a elisão – uso de brechas na legislação para economizar tributos – estão parados no Congresso Nacional. Um dos projetos é de autoria do Executivo. O outro é do deputado Flávio Dino (PC do B-MA). Eles foram apresentados à Câmara dos Deputados em 2007, mas até hoje passaram apenas por uma das quatro comissões pelas quais devem tramitar. A regulamentação do artigo 116 do Código Tributário Nacional (CTN), prevista nos projetos, é esperada há dez anos, desde a edição da Lei Complementar nº 104, que deu competência para o Fisco desconsiderar operações ou negócios realizados com o intuito de evitar ou reduzir impostos. Segundo especialistas ouvidos pelo Valor, a proposta – finalizada em dezembro por advogados, professores, auditores fiscais e procuradores da Fazenda Nacional que participaram do Seminário Internacional da Norma Geral Antielisão – está quase madura para que o governo trabalhe em uma lei. A Receita Federal informou que não comenta projetos. Pela sugestão, o contribuinte seria submetido voluntariamente a um sistema chamado de “disclosure”. Isso significa que os planejamentos tributários poderiam ser abertos previamente ao Fisco que teria cinco anos para analisá-lo. Segundo o tributarista Marcos Vinícius Neder de Lima, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, o procedimento – adotado por países como Estados Unidos e Holanda — seria vantajoso para todos. O Fisco teria informações suficientes para separar o joio do trigo, ou seja, o contribuinte que planejou para ter eficiência nos negócios e aquele que fraudou ou simulou a operação com o propósito de pagar menos tributo. Para ele, o contribuinte teria o benefício da segurança jurídica de uma análise prévia da operação. O advogado afirma que o sistema teria impacto positivo para os maiores contribuintes – cerca de 10 mil empresas que representam 75% da arrecadação. “Sinto que não há uma tendência agressiva por parte dessas empresas. Elas organizam o negócio de maneira eficiente, mas respeitando as diretrizes. O problema é que as regras não são claras”, diz Neder, que deixou o cargo de subsecretário de fiscalização da Receita Federal em dezembro, após 25 anos no órgão. Outra novidade da proposta é o contribuinte poder recorrer a um comitê especializado na análise de planejamentos tributários, se não concordar com o Fisco. Haveria ainda isenção de multa de mora para o pagamento do débito se a opinião do Fisco prevalecesse. “Seria uma maneira de privilegiar quem não quer simular operações e uma oportunidade de eliminar litígios”, afirma a conselheira da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Karem Jureidini Dias, sócia do Rivitti e Dias Advogados. A partir da decisão do comitê, o contribuinte teria um mês para quitar ou parcelar o débito. Caso contrário, ficaria submetido ao pagamento com multa de ofício de até 75%. As sugestões apresentadas à Receita, no entanto, não são aprovadas por todos que participaram do debate. O jurista Heleno Torres, por exemplo, classifica o procedimento sugerido de “denúncia espontânea preventiva”. Para o professor de direito tributário da Universidade de São Paulo (USP), o projeto não está em conformidade com uma norma antielisiva efetiva porque dá poder ao Fisco ao invés de estabelecer critérios para a fiscalização. “É uma intromissão do Estado na liberdade da empresa em realizar o negócio que quiser, impedindo a auto-organização e a autonomia privada”, diz Torres que considera a ausência de regulamentação de uma norma antielisão a grande deficiência do direito tributário brasileiro. Embora veja com bons olhos a criação de um conselho especializado, ele afirma que a noção ampla de planejamento traz em si o perigo de engessamento do entendimento sobre a legalidade da operação. Segundo a proposta, o comitê faria parte do Ministério da Fazenda e teria dez membros – cinco representantes da Receita e cinco dos contribuintes, mas um auditor fiscal teria direito ao desempate pelo voto de qualidade. Os planejamentos considerados abusivos seriam divulgados na internet. A intenção é abreviar o tempo de criação de uma jurisprudência. “O Carf faz isso hoje, mas um processo lá demora, em média, quatro anos e meio para ser julgado. Na Câmara Superior, seis anos. Indo à Justiça pode-se levar dez anos”, diz Neder. Ele diz que, dos cerca de 200 mil processos que tramitam no Carf, cem discutem a legalidade de planejamentos tributários.
A Receita Federal e seus eternos entraves
Receita dificulta acesso a informações fiscais Fonte: CONJUR Após uma manobra do Senado, a Medida Provisória 507/2010 — que, com o intuito de garantir o sigilo fiscal, obrigou advogados a portar procuração pública elaborada por cartório para representar o contribuinte junto à Receita — perdeu sua eficácia na quarta-feira (16/3). Senadores governistas e de oposição entraram num acordo, deixando vencer o prazo para que a matéria fosse votada, para que o texto original da MP fosse resgatado e apresentado novamente ao Congresso. Porém, como projeto de lei. Com a medida, será retomado o artigo 5º da MP, justamente aquele que tratava da exigência de procuração pública para os advogados. O dispositivo havia sido derrubado pela Câmara dos Deputados no início do mês, quando a casa votou a MP, após muita pressão de entidades que representam contabilistas, fiscais da Receita e defensores. A medida foi uma resposta rápida do governo para o escândalo de vazamento de dados fiscais de membros do PSDB em plena campanha eleitoral, no ano passado. Tributaristas ouvidos pela ConJur afirmaram que a possibilidade do dispositivo voltar a valer não assusta, pois as chances do tema ser discutido de maneira mais criteriosa são maiores agora. Mesmo assim, a Diretoria Executiva Nacional do Sindifisco saiu na frente e já está se preparando para acompanhar o trâmite do projeto de lei para garantir a segurança funcional dos auditores fiscais, uma vez que a proposta prevê sanções mais duras para os servidores. A questão é que antes mesmo da publicação da MP 507, os advogados já encontravam dificuldades para representar o contribuinte junto à Receita. Há casos em que é preciso recorrer à Justiça para que o defensor tenha acesso aos procedimentos administrativos abertos, uma vez que os prazos são curtos. O próprio contribuinte que quiser acessar suas informações vai enfrentar uma série de obstáculos. O professor de Direito Tributário da Universidade de São Paulo, Heleno Taveira Torres, afirmou que a MP 507 atendia uma urgência daquele momento. No entanto, ele avalia que a questão de acesso de dados merece um debate mais denso e qualificado, com representantes dos contribuintes e da Fazenda apresentando suas razões. “Não há muito sentido em editar MP em matéria de administração tributária”. Para o advogado tributarista Rodrigo Marques, do escritório Marques & Associados, a tendência é que o Fisco crie cada vez mais dificuldades. “Os prazos são curtos, os procedimentos para acesso de dados são complicados, os fiscais também não são acessíveis e juntar provas é cada vez mais demorado. A impressão que se tem é que, ao contrário do Direito Criminal, em que o Estado tem de provar que a pessoa é criminosa, nos processos que correm junto à Receita é o contribuinte que tem de provar sua inocência”. Quando se trata de um pedido de informação, há a possibilidade do contribuinte pedir prorrogação de prazo, porém, nos casos de autuação, não há flexibilidade. “Os pedidos de informação, tanto para pessoa física quanto jurídica, são muito genéricos, é preciso consultar a Receita para saber do que se trata, mas ela só te atende com hora marcada. Muitas vezes se leva semanas para que o atendimento seja agendado, por meio da internet. Já cheguei ao ponto de fazer um boletim de ocorrência, pois meu prazo iria vencer”, afirmou Marques. Outro entrave é que, no dia do atendimento, o contribuinte só pode ter vista dos autos. Para ter cópias, é preciso pagar. Quando as dificuldades de se obter informações aumentam e os prazos diminuem, a única saída é entrar com um Mandado de Segurança. “Ou seja, o objetivo de se solucionar com mais rapidez um problema pela via administrativa e não saturar ainda mais a Justiça se perde”, destacou Marques. Um dos casos mais conhecidos é o do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge, que recorreu à via judicial para ter acesso ao processo administrativo que apurava a quebra de seu sigilo fiscal. Em agosto de 2010, a Justiça Federal determinou que a Corregedoria da Receita desse acesso aos dados. O tributarista Jorge Henrique Zaninetti, do escritório TozziniFreire Advogados, também já teve de impetrar Mandado de Segurança para resguardar o direito de apresentação de informação a um contribuinte. Isso porque, quando há uma fiscalização, os prazos são extremamente exíguos e levantar centenas de notas fiscais e de documentos de um dia para a noite não é fácil. “Porém, quando há a situação inversa, ou seja, o contribuinte depende de informações junto à Receita, mas o agente público não está por norma sujeito a nenhum tipo de prazo, a não ser pelo princípio da atuação administrativa, o contribuinte fica refém”, observou. Por conta das dificuldades, muitas vezes o contribuinte pessoa física, que sempre avalia a questão do custo-benefício, desiste do processo. “Quando se avalia que será preciso contratar advogados para cuidar de um caso longo e que muitas vezes ele precisará ir e vir há diversos departamentos, a decisão tomada é no sentido de pagar o que o Fisco pede sem questionamentos”. Ele citou que, em um dos casos que atuou, a Receita fez o arbitramento de lucro por entender que havia inconsistência nos arquivos magnéticos. Mas, no caso, o erro não foi do contribuinte, mas sim dos programas utilizados pela Receita. “Não havia inconsistência entre a DCTF [Declaração de Contribuições e Tributos Federais] e os arquivos magnéticos. Levei 2,5 anos, tendo inclusive de ir à Brasília para fazer sustentação perante ao Carf, para explicar que o que acontecia é que um programa da Receita despreza os zeros à esquerda e o outro não, logo, as informações cruzadas não batiam”. Heleno Torres também citou que ainda é necessário entrar com Mandado de Segurança para que o contribuinte consiga certidões junto à Receita. “Há um acréscimo de processos judiciais quando a própria Receita poderia proporcionar uma rápida solução ao contribuinte. Ao que parece, quanto mais complexas as empresas, mas escassa e difícil é a divulgação dos dados”. Gargalos de defesa Ter o processo administrativo que deu origem à execução é fundamental para que o advogado proceda com a defesa, já que na ação judicial só há a inscrição de dívida ativa. Por isso, ao dificultar o acesso às informações,
Prefeitura do Recife realiza conciliação com contribuintes
Recife fecha acordos para resgatar R$ 6 milhões Fonte: CONJUR A Central de Conciliação da Capital de Pernambuco e a Procuradoria da Fazenda de Recife resgataram R$ 6.127.889,85 em dívidas de contribuintes no mutirão de audiências de conciliação, das quais 95% resultou em acordos. O mutirão ocorreu entre os dias 10 e 28 de janeiro de 2011 e o valor arrecadado já supera a arrecadação de janeiro de 2010. O parcelamento dos débitos em 96 vezes e a concessão de descontos no valor da multa e dos juros nos pagamentos à vista foram as vantagens oferecidas pela Prefeitura do Recife para os inadimplentes. Segundo o juiz João Alberto Siqueira, responsável por uma das unidades de atendimento do mutirão, essa foi uma experiência bem-sucedida. “Além de atender os contribuintes convocados, também recebemos as pessoas que nos procuraram após o início do evento. Muitas delas não respondiam processos, mas já queriam negociar seus débitos com o município, aproveitando as condições do mutirão”, contou o juiz. A colaboração dos contribuintes foi tão boa que a diretora da Procuradoria, Noélia Brito anunciou a criação de um núcleo permanente. Inicialmente foram convocados apenas 500 contribuintes que já respondiam processos judiciais pelo não pagamento de impostos e são pessoas físicas e jurídicas com dívidas com valor igual ou superior a R$ 5 mil, com intenção de quitar os débitos em condições mais favoráveis. O valor total devido estava estimado em R$ 26 milhões. Segundo o coordenador adjunto do setor, juiz Ruy Patu, será apresentada à Presidência do Tribunal de Justiça do estado uma proposta de reestruturação das centrais de conciliação. “Estamos pensando em criar um núcleo para atender causas coletivas que envolvam pessoas jurídicas de grande porte. Esse futuro núcleo pode abranger a idéia de facilitar a conciliação entre contribuintes e os municípios”, explicou. Com informações da Assessoria de Comunicação do Tribunal de Justiça de Pernambuco.